quinta-feira, 28 de abril de 2011

"Ela tem aquele gosto doce de menina romântica e aquele gosto ácido de mulher moderna."
Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Soneto do Amor Maior

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.


E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal aventurada.


Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo


Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.



Vinícius de Moraes

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Isso que não tem nome...

Você tem cheiro de vida.
É sol que aquece minha pele
E ilumina meu dia.
É simples
E só existe você de melhor para mim.


Chloé N. ("quebrantada" pela paixão)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

"Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és..."

Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Numa tarde dessas... eu (ou)vi

Dá-me lírios, lírios,
E rosas também.

Mas se não tens lírios
Nem rosas a dar-me,
Tem vontade ao menos
De me dar os lírios
E também as rosas.
Basta-me a vontade,
Que tens, se a tiveres,
De me dar os lírios
E as rosas também,
E terei os lírios -
Os melhores lírios -
E as melhores rosas
Sem receber nada,
a não ser a prenda
Da tua vontade
De me dares lírios
E rosas também.

Álvaro de Campos

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Homenagem

Homenageio Justine pela doçura da nova amizade que chega, meio virtual, meio astral...
Homenageio o amor sempre presente, o cheiro do ralo presente, a sinceridade quase presente, porque ainda chegará o dia que alguém me aguentará.

"Ah, Deus, não existe uma alegria maior do que o instante em que adentro um novo amor, não existe um êxtase como o de um novo amor. Flutuo nas alturas; meu corpo se enche de flores, flores com dedos que me fazem carícias intensas, intensas, faíscas, jóias, arrepios de alegria, vertigem, muita vertigem. Música dentro de mim, embriaguez. Apenas fechar os olhos e recordar, e a fome, a fome de mais, mais, a grande fome, a fome voraz e a sede."

Anaïs Nin

segunda-feira, 26 de julho de 2010

... Caio Fernando Abreu

E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom para você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Cheiros íntimos, secretos. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? Quando você chega no mais íntimo, No tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. Você também tem cheiros. As pessoas têm cheiros, é natural. Os animais cheiram uns aos outros. No rabo. O que é que você queria? Rendas brancas imaculadas? Será que amor não começa quando nojo, higiene ou qualquer outra dessas palavrinhas, desculpe, você vai rir, qualquer uma dessas palavrinhas burguesas e cristãs não tiver mais nenhum sentido? Se tudo isso, se tocar no outro, se não só tolerar e aceitar a merda do outro, mas não dar importância a ela ou até gostar, porque de repente você até pode gostar, sem que isso seja necessariamente uma perversão, se tudo isso for o que chamam de amor. Amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. Da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. Do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. O amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. Se amor for a coragem de ser bicho. Se amor for a coragem da própria merda. E depois, um instante mais tarde, isso nem sequer será coragem nenhuma, porque deixou de ter importância. O que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. Porque então você se ama também.

domingo, 25 de julho de 2010

Eu quero sentimentos inteiros
Completos e verdadeiros.
Esmola não!
Prefiro um tapa na cara.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Para R

Você me parte...
Em quantas partes?
Parte de mim és tu.
Se me partes em tantas partes
Não parta. Fique!

Chloé N.

sábado, 10 de julho de 2010

Tento entender... Otto

"Ondas gigantes crescendo
No mar dos sertões na minha cabeça
A mente em meu caminho
A mente em todo lugar"

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Respirando Clarice...


"Eu, gazela espavorida e borboleta amarela.
Eu não passo de uma vírgula na vida.
Eu que sou dois pontos. Tu, és a minha exclamação.
Eu te respiro-me."

terça-feira, 22 de junho de 2010

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.


Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).


O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.


Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?


"Constituição íntima das coisas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.


Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.


O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.


Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!


(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)


Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.


Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.


E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.


Alberto Caeiro

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Quando fecho os olhos

E aí você surgiu na minha frente,
E eu vi o espaço e o tempo em suspensão.
Senti no ar a força diferente
De um momento eterno desde então.

E aqui dentro de mim você demora;
Já tornou-se parte mesmo do meu ser.
E agora, em qualquer parte, a qualquer hora,
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

O amor une os amantes em um ímã,
E num enigma claro se traduz;
Extremos se atraem, se aproximam
E se completam como sombra e luz.

E assim viemos, nos assimilando,
Nos assemelhando, a nos absorver.
E agora, não tem onde, não tem quando:
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

Chico César

terça-feira, 15 de junho de 2010

Presente

O maior presente seria um sorriso
Ou talvez a compreensão dela.
Os dentes brancos sinceros...
Mas não ganhei sorriso, nem compreensão.
Ganhei uma dor maior que as outras
Para colecionar.
Mas o sorriso dela, esse eu não ganhei.
Ganhei a recordação de um dia que esse sorriso havia sido meu.
Aquele sorriso, o primeiro que amei
E o único que não ganhei.

Chloé N.

Do dia-mente para o diário do Balacobaco

Supostamente afetada.
Supostamente algo me grita, me borbulha a alma, me polvilha a cara.
Quantas teorias! Quanta contradição!
Implicam tanto, mas não se aplicam.
Não aplicam o aplique.
Não aplicam a teoria.
Não aplicam a vida.
Eu vou explodir a caixa de Pandora,
Tomar um Pondera,
Ponderar as ideias,
Ponderar o imponderável.
Tornar-me quem sou,
Um Pandora!
Um trágica criatura de canto solitário.
Só tenho a mim.
Sou minha maior inimiga, a mais cruel.
Eu crio os monstros.
Eles me matam todos os dias.
Me alimentam, me irradiam
Me torcem, me enterram
Me elevam e me envolvem.
Quem sou eu, senão esse ser tosco, fútil?
Que morre de amores inventados,
Que vive de paixões pré-falidas, saprófagas.
Que não acredita nas palavras, mas nos olhos
Na pupila que dilata, na amplitude dos movimentos
No nariz que mostra que respira com maior ou menor intensidade.
Leio você!
Leio seus gestos, suas mentiras
Sua falta de tato
Seus olhos petrificados a pensar no latilabro amado.
Contato com tato, meu amor.
Tenha tato no trato.
Não me revele você!
Sofra só, se exploda!
Dane-se com suas alegrias.
Não me mace para que eu não te asse
E te coma de uma vez só.
Initerpretável!
Você não é você
E eu não sou sou.
Estou supostamente alguma coisa.

Maria Sardônica

terça-feira, 8 de junho de 2010

6 e 7... um dia só

O ar é doce
O ar atravessa os poros
Toma o corpo
E derrete a pele.

O céu é furta-cor
O céu atravessa a retina
Através de cores diluídas em vapor
Toma o corpo
E reverte a derme.

O chão é firme
O chão liberta os pés
Arremessa caminhos flutuantes
Toma o corpo
E adverte o peito.

Os objetos são 6D
Os objetos adentram pelas pupilas
Se rotacionam dançantes no ar
Tomam o corpo
E surpreendem os sentidos.

O dia é cinza
O dia não tem começo ou fim
Energicamente conectadas
As horas enganam a realidade
Tomam o corpo
E confundem a percepção.

O corpo é um nervo
O corpo é todo um ponto G
Se sensibiliza com o nada que é tudo
Irradia
Toma o mundo
E se alegra com a veia sentida.

Chloé N.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Amar - Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Esse cara

"Ah, esse cara tem me consumido
A mim e a tudo que eu quis
Com seus olhinhos infantis
Com os olhos de um bandido
Ele está na minha vida porque quer
Eu estou para o que der e vier
Ele chega ao anoitecer
Quando vem a madrugada
Ele some
Ele é quem quer
Ele é um homem e eu sou apenas uma mulher"

domingo, 30 de maio de 2010

"...um passarinho
Vem me acompanhar
Cantando bem baixinho
E eu já não me sinto só
Tão só, tão só
Com o universo ao meu redor"

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Lisbon Revisited (1923)

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ­
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

(Álvaro de Campos)

sábado, 22 de maio de 2010

Receba de leve

"Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham mãos e não me toquem
Para que meus inimigos
Tenham pés e não me alcancem
Para que meus inimigos
Tenham olhos e não me vejam
E nem mesmo o pensamento
Eles possam ter para me fazeram mal
Armas de fogo
Meu corpo não alcançarão
Facas e espadas se quebrem
Sem o meu corpo tocar
Cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar
Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge"

terça-feira, 18 de maio de 2010

Trecho de Dura na Queda (Chico Buarque)

Bambeia
Cambaleia
É dura na queda
Custa a cair em si
Largou família
Bebeu veneno
E vai morrer de rir

Vagueia
Devaneia
Já apanhou à beça
Mas para quem sabe olhar
A flor também é
Ferida aberta
E não se vê chorar

sábado, 15 de maio de 2010

Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!


Recordar?Esquecer?Indiferente!...
Prender ou desprender?É mal?É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!


Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!


E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

(Florbela Espanca)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Os acrobatas

Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além, subamos!
Com a posse física dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz.

Subamos!
Como dois atletas
O rosto petrificado
No pálido sorriso do esforço
Subamos acima
Com a posse física dos braços
E os músculos desmesurados
Na calma convulsa da ascensão.

Oh, acima
Mais longe que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o infinito
De tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos!

Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimando nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!

Tu e eu, herméticos
As nádegas duras
A carótida nodosa
Na fibra do pescoço
Os pés agudos em ponta.

Como no espasmo.

E quando
Lá, acima
Além, mais longe que acima do além
Adiante do véu de Betelgeuse
Depois do país de Altair
Sobre o cérebro de Deus

Num último impulso
Libertados do espírito
Despojados da carne
Nós nos possuiremos.

E morreremos
Morreremos alto, imensamente
IMENSAMENTE ALTO.

(Ehh Vinícius)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pó que sou
Nos traços finos de menina
No caminhar atordoado
Dos meus sentimentos mudos.
Morte, tão certa
Não me alcance agora
Meu suspiro é gozo
Ainda tenho o que viver.

(Chloé N.)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A mulher de Gêmeos

A mulher de gêmeos
Não sabe o que quer
Mas tirante isso
É uma boa mulher.
A mulher de gêmeos
Não sabe o que diz
Mas tirante isso
Faz o homem feliz.
A mulher de gêmeos
Não sabe o que faz
Mas por isso mesmo
É boa demais...

(Vinícius, que tanto sentia as mulheres)

sábado, 3 de abril de 2010

Meu mundo ficaria completo


Não é porque eu sujei a roupa bem agora que eu já estava saindo
Nem mesmo porque eu peguei o maior trânsito e acabei perdendo o cinema
Não é porque não acho o papel onde anotei o telefone que eu tô precisando
Nem mesmo o dedo que eu cortei abrindo a lata e ainda continua sangrando
Não é porque fui mal na prova de geometria e periga d'eu repetir de ano
Nem mesmo o meu carro que parou de madrugada só por falta de gasolina
Não é por que tá muito frio, não é por que tá muito calor
O problema é que eu te amo
Não tenho dúvidas que com você daria certo
Juntos faríamos tantos planos
Com você o meu mundo ficaria completo
Eu vejo nossos filhos brincando
E depois cresceriam e nos dariam os netos
A fome que devora alguns milhões de brasileiros
Perto disso já não tem importância
A morte que nos toma a mãe insubstituível de repente dela, já nem me lembro
A derrota de 50 e a campanha de 70 pertem totalmente seu sentido
As datas, fatos e aniversariantes passam
Sem deixar o menor vestígio
Injúrias e promessas e mentiras e ofensas caem fora pelo outro ouvido
Roubaram a carteira com meus documentos
Aborrecimentos que eu já nem ligo
Não é por que eu quis e eu não fiz
Não é por que não fui
E eu não vou
O problema é que eu te amo
Não tenho dúvidas que eu queria estar mais perto
Juntos viveríamos por mil anos
por que o nosso mundo estaria completo
Eu vejo nossos filhos brincando com seus filhos
E depois nos trariam bisnetos
Não é porque eu sei que ela não virá que eu não veja a porta já se abrindo
E que eu não queira tê-la, mesmo que não tenha a mínima lógica nesse raciocínio
Não é que eu esteja procurando no infinito a sorte
Para andar comigo
Se a fé remove até montanhas, o desejo é o que torna o irreal possível
Não é por isso que eu não possa estar feliz, sorrindo e cantando
Não é por isso que ela não possa estar feliz, sorrindo e cantando
Não vou dizer que eu não ligo, eu digo o que eu sinto e o que eu sou
O problema é que eu te amo
Não tenha dúvidas pois isso não é mais secreto
Juntos morreríamos, pois nos amamos
E de nós o mundo ficaria deserto
Eu vejo nossos filhos lembrando
Com os seus filhos que já teriam seus netos

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Quem tem consciência para se ter coragem
Quem tem a força para saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa contra a mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera"

Secos e Molhados

domingo, 21 de março de 2010

Soneto do Amigo


Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com os olhos que contem o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual à mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Vinícius de Moraes (sempre, tenho uma "queda" por ele)

quinta-feira, 18 de março de 2010

Skap


Quando você pinta tinta, dessa tela cinza
Quando você passa doce, dessa fruta passa
Quando você entra mãe-benta, amor aos pedaços
Quando você chega nega fulô
Boneca de piche
Flor de azeviche

Você me faz parecer menos só
Menos sozinho
Você me faz parecer menos pó
Menos pozinho

Quando você fala bala, no meu velho oeste
Quando você dança lança flecha, estilingue
Quando você olha molha meu olho que não crê
Quando você pousa mariposa morna, lisa
O sangue encharca a camisa

Você me faz parecer menos só
Menos sozinho
Você me faz parecer menos pó
Menos pozinho

Quando você diz, o que ninguém diz
Quando você quer, o que ninguém quis
Quando você ousa lousa pra que eu possa ser giz
Quando você arde, alardeia sua teia cheia de ardis
Quando você faz a minha carne triste, quase feliz.

Zeca Baleiro
"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."

Clarice Lispector

quarta-feira, 17 de março de 2010

Soneto do Corifeu

São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.

Vinícius de Moraes