terça-feira, 22 de junho de 2010

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.


Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).


O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.


Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?


"Constituição íntima das coisas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.


Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.


O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.


Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!


(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)


Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.


Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.


E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.


Alberto Caeiro

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Quando fecho os olhos

E aí você surgiu na minha frente,
E eu vi o espaço e o tempo em suspensão.
Senti no ar a força diferente
De um momento eterno desde então.

E aqui dentro de mim você demora;
Já tornou-se parte mesmo do meu ser.
E agora, em qualquer parte, a qualquer hora,
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

O amor une os amantes em um ímã,
E num enigma claro se traduz;
Extremos se atraem, se aproximam
E se completam como sombra e luz.

E assim viemos, nos assimilando,
Nos assemelhando, a nos absorver.
E agora, não tem onde, não tem quando:
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

Chico César

terça-feira, 15 de junho de 2010

Presente

O maior presente seria um sorriso
Ou talvez a compreensão dela.
Os dentes brancos sinceros...
Mas não ganhei sorriso, nem compreensão.
Ganhei uma dor maior que as outras
Para colecionar.
Mas o sorriso dela, esse eu não ganhei.
Ganhei a recordação de um dia que esse sorriso havia sido meu.
Aquele sorriso, o primeiro que amei
E o único que não ganhei.

Chloé N.

Do dia-mente para o diário do Balacobaco

Supostamente afetada.
Supostamente algo me grita, me borbulha a alma, me polvilha a cara.
Quantas teorias! Quanta contradição!
Implicam tanto, mas não se aplicam.
Não aplicam o aplique.
Não aplicam a teoria.
Não aplicam a vida.
Eu vou explodir a caixa de Pandora,
Tomar um Pondera,
Ponderar as ideias,
Ponderar o imponderável.
Tornar-me quem sou,
Um Pandora!
Um trágica criatura de canto solitário.
Só tenho a mim.
Sou minha maior inimiga, a mais cruel.
Eu crio os monstros.
Eles me matam todos os dias.
Me alimentam, me irradiam
Me torcem, me enterram
Me elevam e me envolvem.
Quem sou eu, senão esse ser tosco, fútil?
Que morre de amores inventados,
Que vive de paixões pré-falidas, saprófagas.
Que não acredita nas palavras, mas nos olhos
Na pupila que dilata, na amplitude dos movimentos
No nariz que mostra que respira com maior ou menor intensidade.
Leio você!
Leio seus gestos, suas mentiras
Sua falta de tato
Seus olhos petrificados a pensar no latilabro amado.
Contato com tato, meu amor.
Tenha tato no trato.
Não me revele você!
Sofra só, se exploda!
Dane-se com suas alegrias.
Não me mace para que eu não te asse
E te coma de uma vez só.
Initerpretável!
Você não é você
E eu não sou sou.
Estou supostamente alguma coisa.

Maria Sardônica

terça-feira, 8 de junho de 2010

6 e 7... um dia só

O ar é doce
O ar atravessa os poros
Toma o corpo
E derrete a pele.

O céu é furta-cor
O céu atravessa a retina
Através de cores diluídas em vapor
Toma o corpo
E reverte a derme.

O chão é firme
O chão liberta os pés
Arremessa caminhos flutuantes
Toma o corpo
E adverte o peito.

Os objetos são 6D
Os objetos adentram pelas pupilas
Se rotacionam dançantes no ar
Tomam o corpo
E surpreendem os sentidos.

O dia é cinza
O dia não tem começo ou fim
Energicamente conectadas
As horas enganam a realidade
Tomam o corpo
E confundem a percepção.

O corpo é um nervo
O corpo é todo um ponto G
Se sensibiliza com o nada que é tudo
Irradia
Toma o mundo
E se alegra com a veia sentida.

Chloé N.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Amar - Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Esse cara

"Ah, esse cara tem me consumido
A mim e a tudo que eu quis
Com seus olhinhos infantis
Com os olhos de um bandido
Ele está na minha vida porque quer
Eu estou para o que der e vier
Ele chega ao anoitecer
Quando vem a madrugada
Ele some
Ele é quem quer
Ele é um homem e eu sou apenas uma mulher"